quinta-feira, abril 24, 2008

a gaja que estava ao balcão

Uma repartição de finanças improvisada no primeiro andar de um prédio escuro. Três mulheres atrás de secretárias beges anos 80. De repente começo a imaginar a Roménia, país onde nunca estive. Três mulheres atrás de secretárias beges. Não, afinal não são mulheres, são seres assexuados. Pela posição, fazem lembrar três cactos dispostos em linha recta.
À primeira, dou-lhe a alcunha de castelo de areia. Parece compacta na forma mas frágil no conteúdo. Assim, de camisola bege, cara bege, sentada atrás da secretária bege. Areia, muita areia, e de tanta areia e tão seca - o castelo acaba por se desfazer e eu não consigo pensar mais sobre ela.
A segunda tem cabelos muito encaracolados e exibe orgulhosamente anéis grandes de plástico. É a menos monocromática. Olho para o meu ticket e desejo que o número 93 me leve até aquele monte de esperança.
A terceira é a pior de todas. Não é velha nem poética como a primeira, e a léguas de ser tão afirmativa como a segunda. É um pedaço de ranheta de anteontem. Usa base densa e foleira que lhe tinge os pelos do buço da cor do produto. Parecem maiores assim pintados.
É a que me calha na rifa.
Não me adiantou grande coisa, o cacto ranhento que deve comer chocolates antes de ir para a cama, não se lhe podia fazer perguntas que ficava logo afectada por atender alguém contabilisticamente inculto e desinteressante. Informou-me com um ar muito sério que pertenço à categoria B e que por isso devo pedir o impresso B na altura de declarar o IRS.
Cala-te, e faz-me mas é uma canja com letrinhas cozidas que eu ponho-te a contar os B´s que há no meu prato.

3 comentários:

Ana Oliveira disse...

É assim, Mary...Agora já sabes que és um B! Não estás feliz? Olha se fosses um Z, a última letra do abecedário, ah? :) :) :)
Quando estou em Espinho nessas salas de espera e não posso observar, como tu, as campeãs do "bufar", porque estão atrás de um biombo, adoro quando entra uma vareira lá do bairro piscatório e manda vir com as mulheres com a força toda. É a parte mais divertida: peixeirada burocrática.

Anónimo disse...

ola mary. o castelo acaba por ser uma merda muito intima, mas muito proxima... obrigado por ajudares a erguer alguns.

Anónimo disse...

Dos textos mais interessantes que li nos ultimos tempos. Um dos textos que gostaria de ler num dos meus happenings em sessões de leitura ou num espectáculo qualquer.