quinta-feira, maio 29, 2008

a palavra e a verdade


A incredulidade de são tomé, Caravaggio

(Hoje um taxista de gaia revelou-me que era mais perigoso trabalhar de dia do que de noite. Numa certa tarde, "aqui há atrasado", a senhora que levava até são joão da madeira fez-lhe um corte no pescoço. Conseguiu-se defender-se e "deu-lhe porrada dentro da viatura" - contou-me exaltado. Levou 24 pontos depois do despropositado ataque feito a x-acto. No tribunal não conseguiu defender-se porque "era a palavra dela contra a minha" e não havia qualquer testemunha. A senhora alegou que teve que reagir assim devido a um prévio assédio sexual do motorista, e ele apanhou uma pena de 9 meses de prisão de que se conseguiu livrar mediante o pagamento de uma caução. Trezentos e cinquenta escudos por dia, disse, era a minha palavra contra a dela.)

terça-feira, maio 27, 2008

contacto

Tenho medo da Ana Malhoa.

domingo, maio 25, 2008

ser

A nossa vida pode mudar de um dia para o outro.
Ando quase segura que nos podemos habituar a tudo. Que conseguimos viver das formas mais inimagináveis ou insuportáveis. E que o sofrimento é como qualquer matéria orgânica que com o tempo tende a decompor-se. Não sei se penso isto ou se quero pensar assim. Mas eu bem vejo os velhos, como reagem às desgraças. Não sei se aquilo é sabedoria, insensibilidade ou puro comodismo. Suponho que um pouco de tudo.

(a minha avó reage tão naturalmente à morte das amigas e dos cunhados)

deep loma

Recebi o diploma pelo correio. Acabei o curso em 2005. Há um ano e tal fui obrigada a pagar cento e tal euros por aquela coisa já não sei porquê. Suponho que para provar a algum departamento de uma escolinha qualquer que andei a estudar 5 anos.
É um objecto repelente. O papel é feio (não encontro outro adjectivo mais rico que este) tentando imitar mármore, a letra gótica ligeiramente pixelizada. Depois há qualquer coisa como uma fita onde está pendurada qualquer coisa como uma medalha. Força, conseguiste acabar a maratona. Pelos vistos a medalha deve ser feita de um material mais ou menos bom já que tem um invólucro de plástico a protegê-la. É uma coisa pesada - fisica e esteticamente. Não sei que lhe faça. Se ofereça ao meu pai que generosamente me andou a pagar as propinas. Se limpe o rabo com o papel mármore de modo a que o estampado me pareça mais natural. Se compre uma moldura no ikea e o pendure aqui no hostel, muito orgulhosamente, ao lado desta secretária onde me encontro agora sentada.

terça-feira, maio 13, 2008

profundezas


Às vezes, ao ler o que escrevo, fico pasmada com a quantidade de energia que dispendo ao descrever pessoas que me são desconhecidas.
Concluo que este blog é uma espécie de revista cor de rosa com pretensões formais despropositadas. Baseado - tal qual como a lux ou a nova gente - em suposições, injustiça e mentira. Eu sei lá bem os tesouros escondidos do bigode da gulbenkian. Se calhar, ele até sabe onde fica a reserva natural portuguesa Paul de Boquilobo e eu aqui tão triste por me aperceber no Quem quer ser Milionário que continuo uma ignorante com vontade de não o ser. Pior ainda.

segunda-feira, maio 12, 2008

securitas

De repente fico preocupada com as profissões dos outros. Olho para o segurança das catacumbas da gulbenkian e penso o que fará sozinho todo o dia sem luz. Entro, dá-me um cartão a dizer visitante, pergunta-me o nome, não sorri. Usa farda, sempre a mesma e todos os dias naquela secretária a controlar as entradas. Sempre me assustaram as fardas. O bigode é preto, denso, imóvel, parece um tronco chamuscado. O nome por favor. Quê, Maria quê?
Penso, o que é que você guarda para além do meu nome mal escrito? Uma série de cartões de molas estragadas que não se agarram aos casacos, todo o silêncio inscrito nessa farda passadinha e no bigode bem comportado, um sorriso que lhe ficou no esófago e talvez fosse a escuridão que não o deixasse sair.

sexta-feira, maio 09, 2008

quarta-feira, maio 07, 2008

hostel 2

Dão-nos 24 horas por nossa conta. Temos que trabalhar, abrir a porta, fazer check-in, hello I´m Maria, the bus stop is there, porto wine is great, maybe you can try piolho for a beer.
Mas nos entretantos fico sozinha e penso quem é este aqui a quem trato pelo nome, para quem sorri sem saber porquê, com quem vou beber a garrafa de vinho mais barata do mini preço com medo que me faça mal.
Os maiores ataques de solidão são sempre com gente ao lado.

domingo, maio 04, 2008

olhos tão rápidos mesmo de vidro

Viagem do Algarve para o Porto. Nutro desprezo por qualquer companhia de camionagem desde que um condutor da Renex ofereceu deliberadamente a minha mala a um arrumador que por ali passava na hora do embarque.
- "Sr.Motorista, aquela mala verde é minha.
- Então tome lá." Foi assim. Desde então não confio em nada nem ninguém que tenha a ver com a palavra camionagem.

Esta não era da Renex, Eva de seu nome. Nome bastante mais sugestivo, no mínimo.
O meu companheiro de cela é um senhor de 70 anos, preto, bengala, óculos de massa anos 70, sacos plástico, olho de vidro, fecho das calças aberto. Encontro no banco uma revista chamada Happy Woman. Na primeira página uma crónica da directora onde revela aos leitores que gosta do cheiro da terra molhada e das festinhas do marido. Folheio rapidamente todos os sapatos e cremes até chegar à secção onde se fala de sexo que é sem dúvida a mais divertida. Interessante como estas editoras e jornalistas analisam as relações. Como se bastasse ser atrevida e usar meias de liga para mantermos o nosso cônjuge de posto olho em nós. Enquanto admirava mulheres de lingerie em poses ridiculas, o olho de vidro começou a ganhar vida.