terça-feira, abril 28, 2009

il postino




- ...Os etcéteras! Pensa que o mundo inteiro é a metáfora de qualquer coisa?

quinta-feira, abril 23, 2009

cama de casal

Vou contar aqui uma coisa. Pequena, como de costume. A minha irmã mais nova, que terá os seus 15 anos, disse hoje ao jantar que tinha 3 grandes sonhos:

- ir a Nova Iorque
- assistir a um jogo com o Roger Federer no Wimbledon
- ter uma cama de casal e poder dormir à larga

Vim para casa. De noite, os espaços tornam-se imensos, desfigurados. Deitei-me na cama vazia - de casal por sinal - e estive quase para lhe mandar um toque.

(não sou divorciada)

segunda-feira, abril 20, 2009

so high thek




Paul Thek's piece pays homage to cruel losses sustained on a battlefield of the artist's imagining.

esto mago

De repente, a cabeça seca e o estômago tem um buraco. A médica diz que pode ser úlcera, mas que este é o primeiro episódio de dor e por isso não vou ter que fazer endoscopia. Há quem diga que as endoscopias não são exames fáceis, que nos metem um tubo por ali abaixo. Não tenho medo dos tubos, mas assustam-me as noites em que acordo a ganir de dor e só uma bolacha me acalma. Acordo, sinto o estômago (até agora só sabia onde o estômago era porque era aluna de 4 a ciências da natureza), sinto a dor, não não, aquela dor é maior que eu, e eu é que a invado, eu é que não pertenço ali. Tenho saudades daquilo que sou. Fecho os olhos à espera de um sonho cheio de lulas e alecrim. As lulas aparecem e o alecrim deixa-me o aroma na mão. Entretanto aí vem ela outra vez, acordar, ganir, abrir a luz e a boca, bota a bolacha abaixo antes que venha o tubo e adormeço novamente à espera de galinhas ao ar livre.

sexta-feira, abril 10, 2009

brasas

Hoje de manhã foi assim: eu estava numa fila do supermercado. O que eu queria era sair da cama e que aquela fila acabasse rapidamente, mas isso é outra história. Antes de ir pagar, costumo olhar sempre para a menina da caixa para perceber como é que ela passa os produtos naquela coisa que lê os códigos de barra. Dependendo do movimento de mãos da menina e não do tamanho da fila, escolho a caixa. Bem, este supermercado só tinha uma fila e uma menina. Eu estava a escolher uma pizza congelada (detesto pizzas congeladas) enquanto esperava pela minha vez de pagar. Isto é giro, poder estar em duas partes ao mesmo tempo. Abri várias caixas de pizza para ver o aspecto das pizzas, li-lhes os ingredientes, ofendi os produtores. Depois lá apareceu uma que me convenceu: era de queijo e lulas. Queijo e lulas, meu deus, o que é que se passará na minha reserva de desejos. Eis senão quando abro o pacote e o que encontro é apenas uma lula. Uma lula nem grande nem pequena, corpo médio e congelado. Já as patinhas, essas, que eram muitas e fininhas pareciam mais moles, como se fossem imunes à temperatura negativa da arca, quase como as mãos elegantes do meu vizinho que só toca piano ao fim de semana.
(o vizinho gosta da música da pantera cor de rosa, mas toca-a sem mistério)

últimas semanas

Às tantas, passa-se horas a dormir e não sabemos por onde andamos. Isto tem-me acontecido, deito-me cedo e nunca mais acordo. Sonho consigo avó, sempre. Outro dia estava a tomar banho e ouço alguém a entrar em casa. Espreito pela porta da casa de banho e vejo-a no corredor, com aqueles vestidos que só usava no Verão e com uns óculos dos anos 80 que tinham a massa castanha e grossa. Fiquei preocupada se estaria a molhar o chão todo, a avó não gostava, e eu era descuidada. Aquilo também sem cortina era difícil. Outro dia ria-se, nós a falarmos não sei de quê e a avó só se ria. Nem uma palavrinha, eram sorrisos calmos e inesquecíveis.
É assim que recheio a sua enorme ausência, em acontecimentos noctívagos e isolados que nunca sei quando vão aparecer de novo. Talvez por isso agora durma tanto, para passar horas consigo, assim, sem nada para fazer, só aquela coisa do almoço e de estarmos no sofá. O último sonho deixou-me preocupada: eu sabia que a avó estava morta mas a avó morreu durante o sonho, como se a segunda morte confirmasse a primeira. Fiquei com muito medo que o meu inconsciente a tivesse matado e nunca mais a pudesse ver de vestido no corredor. Desde então ainda não sonhei outra vez consigo e já passaram 4 dias. Fui ao Ikea e comprei uma cortina para a banheira.

quinta-feira, abril 02, 2009

filhos

Sócrates: Você sabe, Fedro, esta é a singularidade do escrever, que o torna verdadeiramente análogo ao pintar. As obras de um pintor mostram-se a nós como se estivessem vivas; mas, se as questionamos, elas mantêm o mais altivo silêncio. O mesmo se dá com as palavras escritas: parecem falar connosco como se fossem inteligentes, mas, se lhes perguntamos qualquer coisa com respeito ao que dizem, por desejarmos ser instruídos, elas continuam para sempre a nos dizer exactamente a mesma coisa. E, uma vez que algo foi escrito, a composição, seja qual for, espalha-se por toda a parte, caindo em mãos não só dos que a compreendem mas também dos que não têm relação alguma com ela; não sabe como se dirigir às pessoas certas e não se dirigir às erradas. E, quando é maltratada ou injustamente ultrajada, precisa sempre que o seu pai lhe venha em socorro, sendo incapaz de se defender ou de cuidar de si própria.

Platão, in Fedro