segunda-feira, setembro 14, 2009

moço de azul escuro

O homem toca à porta. Abro-lhe a porta ainda com as almôdegas a entupirem-me o esófago. O homem toca e eu corro para a entrada. Digo-lhe "hi" e responde-me em inglês, que queria um quarto para hoje à noite. O homem toca e eu reparo que ele manca, manca muito. É de meia idade e tem cabelos grizalhos que deixam cair caspa na t-shirt azul tipo polo.
(o azul é escuro e é capaz de ter uma risca branca na gola)
Recapitulemos: temos um homem de meia idade, manco, caspa nos ombros cobertos por uma t-shirt azul tipo polo, magro, estatura média. Até aqui tudo bem.
Mas depois há o que se vê, talvez o que se sente (sentir é uma palavra estranha como o homem), que não são polos sujos nem pernas insuficientes. Eu vi um homem estranho, não sei bem porquê. Os olhos: de quem queria comer o mundo às escondidas e deixar os restos para os que hão-de vir.
Mostro-lhe o quarto e as almôndegas ali ficam, nesse espaço de indecisão e de sangue, de quem não sabe se pode perder um cliente só porque lhe cheira mal o estrogido.
Mas ele não espera para ser condenado. Abriu-se como um porco na matança. Expôs em meio segundo a solidão que o governa.
- Acha que é fácil aqui arranjar mocinha?
(as almôndegas em queda livre no estômago)
- O quê?
- Mocinha?
- O quê?
- Uma moça.
Só lhe disse que não estava no sítio certo. Fechei a porta do quarto e comecei a andar muito rápido em direcção à saída.
(as almôndegas já no fim do intestino)
Ele seguiu-me até à porta assim, manco, lento, calado, sem objecções, os olhos postos o chão e a caspa dos ombros intacta.