terça-feira, janeiro 19, 2010

tu é que me lês, querida virginia

trás os pinheiros

A vida pesa quase sempre aqui em trás-os-montes e os olhos da gente da terra ficam escuros como troncos molhados.
Deus é salvador e carrasco, mas suspeito que ninguém se pergunta qual dos papéis lhe acenta melhor.
A voz da dona Otília é espessa, escura, tipo petróleo, e conta-me histórias de mulher agredidas e de homens assassinados por causa de terrenos baldios. Às vezes, à noite, depois de desligar os aquecedores, a voz dela escorre peganhenta e teimosa nos meus ouvidos. Procuro a denúncia que não encontro nos seus relatos. Ouço as palavras mortas das mulheres, os gritos distantes dos homens.
- Bom ano menina.
Eu comia uma massa com cogumelos e bróculos e sentia-me leve por estar a começar um novo ano. Aliás, nunca a passagem de um ano para o outro se tinha tornado tão simbólica assim. Haja propósitos, vivam as celebrações.
- A minha consoada foi atribulada menina, o avô da minha nora que não é nora, bá, namora para o meu filho, andava desaparecido há uns dias e apareceu morto no cimo de um pinheiro.
Natal, um homem morto no cimo de um pinheiro.
Dona Otília, vá lá à sua vida, que eu temo hoje nem sequer ligar o aquecedor, não vá o homem começar a brilhar a meio da noite.

domingo, janeiro 17, 2010

nuno júdice

Segue o teu destino,
Rega as tuas plantas,
Ama as tuas rosas.
O resto é a sombra
De árvores alheias.
A realidade
Sempre é mais ou menos
Do que nós queremos.
Só nós somos sempre
Iguais a nós-próprios.
Suave é viver
só.
Grande e nobre é sempre
Viver simplesmente.
Deixa a dor nas aras
Como ex-voto aos deuses.
Vê de longe
a vida.
Nunca a interrogues.
Ela nada pode
Dizer-te. A resposta
Está além dos deuses.
Mas serenamente
Imita o Olimpo
No teu coração.
Os deuses são deuses
Porque não se pensam.

terça-feira, janeiro 05, 2010