terça-feira, dezembro 26, 2006

Descrição de uma cidade

Não há lado esquerdo na metafísica,
O que não é uma limitação.
A produção industrial de problemas
Solta para o ar nuvens espessas
Que interferem no aeródromo.
Aviões cobertos de graffiti não conseguem levantar voo
Porque, entre os vários desenhos, os miúdos
Desenharam pedras de granito. A Ideia de granito
Pesa mais que a existência concreta de um
Balão, o mundo das ideias é estado transitório entre
O Nada e a montanha. Entretanto, a
Natação tornou-se importante para a cidade
Depois do dilúvio ocorrido há três mil anos. O governo
oferece inscrições gratuitas e ainda casais de animais
Bruscos, mas mansos. Os homens andam felizes, e também
As mulheres, porque todos aprendem a nadar antes dos
Sessenta. Hoje, neste século, morre-se afogado mais tarde.
O mundo é perfeito de todos os lados,
Menos do lado onde estamos: como um sólido geométrico
Belo que cai na cabeça desprevenida.
O mundo é fantástico visto de cima, de helicóptero. A linguagem
Sobe e interfere em camadas específicas da atmosfera,
As palavras que usas não são inertes. O inglês por exemplo,
É Língua que entra excessivamente nas nuvens. O inglês
Para a Astronomia é deselegante, e prejudica ligeiramente
As aves baixas.
No outro lado do mundo, entretanto, alguém, de grandes dimensões
Enfia o aeródromo num saco de plástico. As pulsações
Da alma medem-se pelos pressentimentos, não por
Aparelhos medicinais. E não se ilumina a escuridão,
Ilumina-se algo que já não é escuridão; precisamente porque
A escuridão é escura, escuríssima segundo dizem.

Gonçalo M. Tavares

segunda-feira, dezembro 18, 2006

hampi - a cidade mais invisivel

colo com este livro

as cidades e os olhos. 3

Depois de ter caminhado sete dias através de bosques, quem vai para Bauci não consegue vê-la e no entanto já lá chegou. São as finíssimas andas que se elevam do solo a grande distância umas das outras e se perdem acima das nuvens que sustêm a cidade. Sobe-se com escadotes. No chão os habitantes raramente se mostram: têm já tudo de que precisam lá em cima e preferem não descer. Nada da cidade toca o solo à excepção daquelas pernas compridíssimas de fenicóptero em que assenta e, nos dias luminosos, uma sombra perfurada e angulosa que se desenha na folhagem.

Três hipóteses se põem sobre os habitantes de Bauci: que odeiam a Terra; que a respeitam a ponto de evitar qualquer contacto; que a amam tal como ela era antes deles e com binóculos e telescópios apontados para baixo não se cansam de passá-la em resenha, folha a folha, pedra a pedra, formiga por formiga, contemplando fascinados a sua própria ausência.
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Italo Calvino, As Cidades invisíveis

colo infinitamente com este livro (e com o dos proverbios qd estou mais cansada)


"- De agora em diante serei eu a descrever as cidades - disse Kublai Kan - Tu nas tuas viagens verificarás se existem.
Mas as cidades visitadas por Marco Polo eram sempre diferentes das pensadas pelo imperador.
- Contudo eu tinha construído na minha mente um modelo de cidade de que deveria deduzir-se todos os modelos de cidades possíveis - disse Kublai - Contém tudo o que corresponde à norma. Como as cidades que existem se afastam em grau diverso da norma, basta-me prever as excepções à norma e calcular as combinações possíveis.
- Também pensei num modelo de cidade de que deduzo todas as outras - respondeu Marco - É uma cidade feita só de excepções, impedimentos, contradições, incongruências, contrassensos. Se uma cidade assim é o que há de mais improvável, diminuindo o número dos elementos anormais aumentam as probabilidades de existir realmente a cidade. Portanto basta que eu subtraia excepções ao meu modelo, e proceda com que ordem proceder chegarei a encontrar-me perante uma das cidades que existem, embora sempre como excepção. Mas não posso fazer avançar a minha operação para além de um certo limite: obteria cidades demasiado verosímeis para serem verdadeiras.

Italo Calvino, As Cidades Invisíveis.

quarta-feira, dezembro 13, 2006

nossa senhora, minha irmã

quanto sabes, tanto vales

Ultimamente ando a colar com um livro de provérbios portugueses que roubei ao meu pai.
Este tipo de sabedoria popular, às vezes é surpreendente e emocionante, outras apenas irritante.

Ontem estava eu na rua do Almada a comprar umas lâmpadas e entra uma mulher a cheirar a peixe fresco e botinhas de borracha. Ficou lá uns 10 minutos a querer convencer toda a gente que as sapateiras dela eram melhores que as outras, que para nós eram só 7 euros, que para a próxima semana trazia um polbo marabilha ispanhole.
"Anda lá filha, compra-me os bichinhos".
Depois atendeu o telemovél e recebeu uma encomenda para o restaurante Garreti. Desconfio que este último I não faz parte do nome do restaurante. E lá foram as (agora alegres) botinhas de borracha carregando as (agora tristes) sapateiras.
Amo cada cantinho de cada loja de ferragens na Rua do Almada.

Mas agora é tempo de sabedoria...

Provérbios surpreendentes:
-Banana madura não se sustenta no cacho.
- Se queres ver teu marido morto, dá-lhe pepino em Agosto.
-Não te assustes que a pistola não tem fecho.
-Com arte e engano se vive metade do ano, com engano e arte a outra parte.
-Nem mesmo Deus pode por inteiros os ovos mexidos.
-É melhor ser porqueiro que porco.
- Depois do coito todo o animal fica triste, excepto a mulher e o galo.
-Ai Manel Manel, não tens abelhas e vendes mel.
-Se vês que o vinho te prejudica o trabalho, deixa de trabalhar.

Provérbios irritantes para o próximo post.
Espero pelos vossos também.


domingo, dezembro 10, 2006

sexta-feira, dezembro 08, 2006

hoje

o inverno, esqueci-me dele.
agora apareceu feito gente. feito gente que nos manda usar camisolas, ligar aquecedores.
o inverno tem algo de passado, as pessoas vivem no verão para se lembrarem no inverno.
copianço mal feito na copipronto que nos aquece quando ouvimos a fotocopiadora lá ao fundo.
lá ao fundo. tudo parece longe com esta chuva, com este vento, com estas nuvens.
vai chover amanha, esta muito vento, as nuvens anunciam. que tempo é este?
o monopólio esquecido nos arrumos, o baralho que lhe faltam algumas cartas.
falta sempre alguma coisa no inverno.

sábado, dezembro 02, 2006

velhas conexoes nunca se perdem

talvez maior parte de vocês já tenha visto os quadros ao vivo (vivos).
talvez maior parte de vocês já não venha aqui.
haja fidelidade.

o natal aproxima-se com o ano novo (quão novo?).
tenho vontade de emigrar outra vez.
talvez escolha um novo destino para passar os primeiros meses de 2007, um sítio quente com janeiros diferentes dos nossos.
ha também a possibilidade de ir para uma residência artística em berlim, mas não consigo perceber o critério de selecção. é mandar o application form e esperar.
esperar.

tempo.

ano novo.
natal velho.
os outros à espera que eu não respeite o tempo, que eu goste de natais velhos.
que eu sinta o novo ano como uma nova adulta ou como uma velha adolescente.
até janeiro.

alguns elephantes