quarta-feira, dezembro 09, 2009

a quem o ensino dobra

Era professor da primária. Doce e frágil, quase enjoativo de tão meloso. Contou-me que não aguentou mais, que virou-se para a directora de escola e pediu um tempo para ele. A pressão dos pais dos meninos era excessiva. De vez em quando recebia um telefonema de um progenitor idiota qualquer que lhe perguntava porque é que o garoto tinha tantos trabalhos de casa. Coitado do garoto, a natação e a playstation de certeza que lhe ocupam demasiado tempo. E qualquer dia ainda apanha a gripe A. Depois tem um sinal na cara de que não gosta e já revela alguns problemas de sociabilização devido ao dito cujo. É pois evidente que não lhe sobra tempo para aprender a nossa língua, a matemática, a geografia, essas coisas acessórias.
Voltando à vaca fria, o professor virou-se para a directora e pediu tempo para ele. A directora concedeu-lhe, e esta é a única parte boa da história. Deixou tudo e foi fazer o caminho de Santiago.
A minha mãe não pode chumbar os alunos. Dá cursos profissionais ao secundário e tenta formar técnicos jurídicos e comerciais. Tudo uma treta. Perdoem-me os inocentes. Adolescentes que nunca estudaram na vida pelas mais diversas razões, são agora pagos por nós para andarem pra´li a gastar o polegar com sms. Se tiram uma negativa a um exame, a professorinha tem que dar mais duas oportunidades para ver se passa o pequeno príncipe. Isto é a total preversão do ensino e engana professores e alunos. O professor fica pois, sem hipótese nenhuma de cumprir a sua função. Triste e desiludido, vai para as aulas dos cursos profissionais sem vontade de ensinar coisa alguma, porque simplesmente não é esse o objectivo do próprio curso. Os alunos, que agora têm a faca, o queijo e o telemóvel na mão, regojizam-se com o seu poder e ignorância. Depois saem no 12º ano e vão trabalhar para a Bershka ouvir música a decibéis que deviam ser proibidos, e dobrar camisolas já com borboto que lhes poupam a tarefa de pensar. Mas isso é só na melhor das hipóteses. Porque depois do canudo da mão, o garoto acha-se demasiado importante para fazer tal coisa
(convenceram-no disso), e prefere esperar outra vez com a playstation numa mão e o risco de apanhar gripe A na outra, de um trabalho como técnico jurídico ou comercial. Pura ilusão.

(a culpa não é dos garotos e trabalhar na bershka é tão digno como outra coisa qualquer, mas quisesse este governo formar pessoas e não números e tudo era tão diferente)

terça-feira, dezembro 08, 2009

quinta-feira, dezembro 03, 2009

sendo bernard n´ as ondas de virgina

Desde que me sentei nesta mesa sinto uma deliciosa confusão de incertezas, de possibilidades, de hipóteses. As imagens formam-se por geração espontânea. Sinto-me incomodado com a minha própria fecundidade. Seria capaz de descrever com a maior profusão de detalhes cada cadeira, cada mesa, cada comensal. O meu espírito zumbe por aqui e ali, pronto a cobrir todas as coisas com um véu de palavras. Falar, mesmo que apenas para pedir vinho ao empregado, é provocar uma explosão. O foguete é lançado aos ares. Os seus grãos dourados caem e fertilizam o solo da minha imaginação. O imprevisto desta explosão está na alegria de comunicar. Quem sou eu misturado com este desconhecido empregado? Neste mundo não existe estabilidade. Quem será capaz de exprimir o significado das coisas? Quem pode prever o voo que uma palavra descreve depois de dita? é um balão que plana sobre as árvores. E o esforço de conhecer é sempre inútil. Tudo é experiência e aventura. Constantemente formamos novas combinações de elementos desconhecidos. O que está para vir? Ignoro-o completamente. Mas no momento que pouso o copo sobre a mesa a memória volta. Estou noivo. Esta noite janto com os meus amigos. Sou Bernard. Sou eu.