quarta-feira, março 28, 2007

o radio KAIDE ou a Babilonia

Depois te o macaco safado ter roubado os headphones, apercebi-me mais uma vez que nao consigo viver sem musica. Mas o som do meu mp3 com headphones e' demasiado egoista e intransmissivel, e ja que estou a viajar com uma grande amiga, resolvi comprar um radio. A partilha e' uma coisa bonita, supondo que ha algo para partilhar. Pois bem, pedi a um amiguito indiano que me fosse comprar um radio que custasse menos que um euro. Passado uma hora la vinha ele todo contente com um objecto minusculo e fragil, prestes a partir-se se algum espirito mais arriscado o resolvesse por a funcionar. Sim, made in _______ (Adivinha com grau de complexidade elevado). Tinha 2 bandas como de costume: AM e FM. Nenhuma funcionava. As vezes ouviam-se umas vozes arranhadas em sofrimento la do fundo, mas por pouco tempo sofriam. Segundos depois la vem o som das formigas da televisao nao sintonizada em versao radio. Merda. Pensei: "Tenho que apostar na qualidade".
Foi entao que vi um standzito com oculos de sol e chaves de parafusos numa estacao de autocarros. Estava la o radio desejado tambem. Um radio nao com 2 bandas, mas sim com 8, de seu nome Kaide. Talvez Kaide seja uma marca de qualidade bem conhecida nos campos de plantacoes de arroz chineses, pensei. Propus ao gajo do stand uma troca: dava-lhe o bebe radio e mais algum dinheiro em troca do grande Kaide. Ele aceitou. Toda a negociacao foi, no minima, muito divertida.
O Kaide portava-se um bocadinho melhor que o seu antecessor, mas nem por isso. Era daquele tipo de objectos que precisam de carinho, muito carinho. So funcionava em determinadas posicoes ou comigo por perto, coisas assim. Como tem 8 bandas, a probabilidade de sair algum som estranho dali tambem e' maior, mas so a eterna busca do impossivel ia-me satisfazendo.
Ate' que um certo dia, estava eu em lutas com o meu kaide, experimentando o que ele daria se apontasse a antena a minha testa ou outras posicoes estranhas, quando ouco: "Boa noite, vamos deixar agora os nossos ouvintes com o melhor da musica portuguesa" O que? Nao, eu nem sequer estou em Goa... Sera da minha testa? Nao era. Era a RDP internacional a tentar dar o melhor da musica portuguesa com os GNR, Cla, Delfins. Imaginei o Miguel Angelo de sari, o que me pareceu um cenario bem mais perfeito do que a sua musica. De vez em quando apareciam vozes indianas e, por momentos, pensei estar a ouvir a minha propria cabeca onde ultimamente soam 3 linguas ao mesmo tempo. Portugues, ingles, e a lingua local.
Mas depois disto veio ainda a melhor parte, o programa "Bem comer para melhor viver". Qual Lourdes Modesto, esta era uma senhora que filosofava acerca do tempo que as pessoas ja nao tinham para se alimentarem correctamente. Tinha uma voz tao familiar, imaginei-a de saia travada e cabelos daqueles que secam debaixo dos capacetes da nasa (e que tambem existem nos cabeleireiros portugueses). Vieram os grunhidos outra vez e a pobre senhora cada vez mais la ao fundo. Ja nada era saudavel para se comer no meio de tanto ruido e o penteado corria o risco se estar a desfazer tambem. Deixei a minha imaginacao pousar no ponto maravilhoso onde estava. Desliguei o Kaide e pedi desculpa a senhora filosofa da alimentacao por estar a abrir um pacote de bolachas.

quinta-feira, março 15, 2007

nao ha maior metafisica do que a de comer chocolates

India. Uff...
Desculpem os leitores mais assiduos, mas isto as vezes de organizar ideias nao e' coisa facil.
Ja tinha escrito um belo post, mas o caderno onde tinha o rascunho caiu inesperadamente no rio Ganges e la se foi toda a tinta, todas as palavras. Por obra dos destino ou dos mortos que por la navegam, fui encontrar o caderno 3 dias depois. Um velhote que vendia flores a beira rio encontrou-o e como eu ainda sou maryconnections, o gajo veio a saber atraves de outro que aquele objecto moribundo era meu. Enfim, coincidencias.
A verdade e' que tenho vindo a perder demasiadas coisas. Desta vez o rato nao roeu a mochila, mas um macaco entro dentro do meu quarto e roubou-me um champo, uns headphones e umas calcas novinhas acabadas de comprar. Filho da mae. Deve andar prai' de galho em galho a lavar-se todo e a ouvir musica.
Na semana passada fui dar um mergulho ao mar e assim perdi um brinco e duas pulseiras. Ontem roubaram-me o telemovel. Acredito que este fenomeno da perda seja um pequeno treino para me desapegar dos bens materiais. Assim o quero ver. A verdade e' que de calcas, brincos e telemoveis esta o mundo farto.

Um dos episodios mais comicos que me aconteceram ate agora foi um acidente de biciclete que provoquei. Armei-me em espertinha e aluguei uma biciclete anos 60 mais alta do que eu podia aguentar. Estava numa estrada de terra batida e vi uma senhora de sari vermelho. So consigo descrever o que senti como simples atraccao pelo abismo. Em vez de travar, fui literalmente contra o meio do cu da mulher. Ela caiu suavemente (nao sei andar de biciclete, muito menos rapido), parecia quase que estava a dancar. Nisto, quando olhou para tras viu que eu era branca e comecou a chorar. A idiota era ma como as cobras. Pobre de bolso e de espirito. Em 3 segundos juntou-se ali uma comunidade de indianos cheios de ideias, mas nenhum se queria meter para ajudar. Chegou mesmo a aparecer um policia que disse que nao tinha nada a ver com o assunto!! Maravilhoso. No final, a senhora de rabo magoado queria um euro e pronto. Antes disso, ofereci-lhe um analgesico e uma bela licao de moral com direito a traducao para hindi por um trauseunte, mas a pobre nada. Queria um euro e pronto. Contra os meus principios e farta de estar naquele circo, saquei da nota e dei-lhe.
O branco, aqui, e em tantos outros sitios, esta conotado com uma especie de poder que me assusta. Andamos prai a colonizar e depois e' isto: ou eles sao estupidamente submissos ou tentam nos comer a toda a hora. Outro dia um homem virou-se para mim com cara de encantado e disse: " Ei madame, your skin is shiny as silver". Uma bela e eficaz metafora.
Portugal fica numa especie de sitio a parte onde ninguem sabe onde e'. Uns la falam do Vasquinho, mas muito raramente. Por vezes digo que sou da Argentina, da Coreia, ou do Paquistao para os provocar.
Mas esta infinidade de linguas, culturas e religioes, prolongam a minha paixao por este espaco da terra.
Uma Historia que se come a ela propria atraves dos mais perversos paradoxos.
A sensualidade do vestuario, das cores e dos multiplos ornamentos joga no mesmo campo de um rigido sistema de castas onde o ascetismo e a pureza sao valores a preservar. Os deuses hindus sao muitos e para todos os gostos. Normalmente sao representados de uma forma androgena. Tem caras e vidas. Ha tambem em versao animal: macacos filhos do vento ou elefantes com corpos de humano.
Ha tambem uma enorme comunidade muculmana e em menor numero, crista, sikh, jain, whatever. Para os primeiros, so ha apenas um grande e unico criador.
Sim, porque para um biliao de pessoas, ha que haver uma certa variedade divina. Para que todos se possam indentificar e poderem, por vezes, venerarem-se tambem a eles proprios.
Desculpem o atraso.
Beijo com calor, muito calor.