domingo, abril 16, 2006

o noroeste argentino

Depois veio outra vez o carro e as estradas que trazem pensamentos e sensacoes. A amiga que atravessou o atlantico à minha esquerda, o mundo à nossa volta. Tres dias dentro do carro a assistir a um filme mudo sem intervalos. Sem pipocas. Mas com alguma banda sonora, depois de andar aos socos no radio do fiat uno alugado que insistia em nao dar som. Devia ter medo de tanta beleza.
Depois há rochas que mudam de cor e forma e outras coisas que nao vale a pena falar. O vento vem e da-lhes formas leves e sofisticadas. Já há muito que deixaram de ser rochas. Agora sao o que cada um ve nelas, nuvens duras pousadas na terra dos homens. Narizes deformados, bocas cheias de fome, cabelos em pé, vestidos de noiva, aquelas rochas pertencem a imaginario de cada um. Autoritarias e absorventes. A fotografia nem sempre funciona.

Depois, encontra-se um rapaz a pedir boleia. Está com o pai e os dois carregam tendas. Nós paramos e eles dizem nao ser normal duas raparigas acreditarem em dois homens com o dedo para cima na berma de uma estrada. Agradecem a boa vontade. O pai de olhos azuis muito grandes, barba grande e boné. O filho de barba escura e olhos pequenos castanhos. O pai que fala, o filho que está calado. Eu que respondo, a dalila que está calada. Eles tinham uma casa ao lado do rio e das rochas que já não são rochas. Construiram-na sem terem pedido a ninguém, assim, feita de areia e de tempo. Eu perguntei ao homem velho dos olhos grandes se o facto de ele ter casa lá fazia com que se habituasse à beleza e já não abrisse a boca de cada vez que saísse de casa. Ele respondeu que não, que viver ali era uma "experiência espacial". Mas passar também o era.
Depois soube que éramos de Portugal e falou do Eusebio, da Amalia, do Salazar e da "revolucion".
Eu ouvia-o sem ouvir, a saborear aquela voz velha que falava dos nossos simbolos nacionais com acento argentino. Acho que aquele dialogo, por ter nada e tudo de especial, não me vai sair da memória. Acredito que deixei um bocadinho de mim naquele circuito de tres dias mas ja nao o quero ir buscar.

sábado, abril 08, 2006

Desculpa. Nao entendi, quem é que se depila?


a/o ? a nativa que pede dedo?

o cao ou a senhora? a evita peron?
a personagem cinematográfica?

a jovem de 80? a chica da montra?

as artistas? a companheira do dieguito?

o possivel senhor?

terça-feira, abril 04, 2006

capital de pernas depiladas

Se Buenos Aires fosse alguém era ma mulher. Perigosa e atraente. A cidade vive do seu glamour e deixa-nos levar pelas malhas, nem sempre consequentes, da beleza. Assume-se nos cafes à moda antiga, nas livrarias de escada em caracol, nas padarias que fazem fome, no tango da rua, nas feiras de antiguidades. A cidade parece barata mas não o é: as mulheres são de valor inconstante e podem sair caras a quem se apaixona por elas. Vai-se gastando um bocadinho aqui, depois é só aquele gelado ali, o cd que está uma pechincha ou o hotel que é só mais um euro mas que está no centro. A cidade é exigentemente feminina e reclama atencao. O porteno (habitante de buenos aires) é orgulhoso e visualmente elaborado. Sao muito politicamente activos e ha quem diga que as manifestações se tornaram em desporto nacional. Gostam de viver bem, de comer bem, de vestir bem. O brasileiro diz sobre o argentino : " eles comem merda e arrotam caviar". Há um circo de ilusões que vive de trapezistas equilbrados numa corda e seguros ao tecto por fios de nylon invisiveis. Assim, se alguem cair, os outros não vêm.

Mas ha qualquer coisa que me aborrece nas cidades colonizadas por espanhóis: as infinitas ruas e avenidas que chegam ao numero 20000, a malha urbana toda feita a partir de perpendiculares e paralelas. Pessoalmente, na falta de alguma organicidade sinto-me perdida e a noção de esquerda ou dirita confunde-se constantemente. Quando tudo é tão igual a orientação torna-se mais complicada. E não há a "ruazinha que sobe" ou o bequinhos sem saida. Longas avenidas estabelecidas num plano sem fi, democracia de alturas, ausência de surpresas. Bairros com vida independente onde elite e "povo" se vão distinguindo e hierarquizando.

Uma grande parte de Buenos Aires nao a vi: a mulher sabe sempre esconder o que de menos bonito tem.