sábado, dezembro 29, 2007

esclarecimentos aos leitores que me restam

Ontem ouvi certas críticas à forma "leve" como descrevi o julgamento, anunciando vislumbres de nova irresponsabilidade. Que lata que eu tenho - sou apanhada com um 1,9 de alcool no sangue, e no final ainda me ponho a gozar os agentes da polícia em vez de dar graças aos céus por ter sido absolvida. Pois, falando na esfera do real, é óbvio que reconheço o meu erro, e é mais do que óbvio que tive uma sorte do caneco. Mas isto é um bloguezito de merda, um espaço virtual onde deposito sonhos, deliríos ou caprichos. E que piada teria escrever sobre os males da minha consciência? Pronto, vou confessar-vos: o meu coração por algumas semanas tornou-se frágil como um copo do ikea, duro que nem a estrada onde pelos vistos andei aos "esses" sem reparar, medricas que nem lareira à chuva. Mas isto são assuntos chatos, parece-me. Estou arrependida, sim, estou. Sei que tive sorte, sim, sei. Mas também sei que a chefe Manuela é mal cheirosa, e que as alegações finais tanto da minha advogada como do ministério público, pouco falaram da dona Maria Sottomayor. Acreditem ou não, os protagonistas foram mesmo os senhores agentes.

domingo, dezembro 23, 2007

o julgamento - pormenores de uma chefe chocante

A chefe Manuela para além do seu perfume e baton desprezíveis, também tinha os olhos carregados de risco preto daquele que parece nunca mais sair, e madeixas mal feitas. Via-se tão bem aquela raíz preta que começava despreocupadamente a nascer, acusando as pontas loiras e secas da sua tamanha artificialidade. Apesar de toda a sua idiotice e de usar produtos de maquilhagem insultuosos, a chefe tinha uns olhos que se podem considerar bonitos. Gosto de olhos que falem de qualquer coisa, que nos dêm festinhas ou que nos mandem para o caralho, mas que falem. Os dela mandavam-me para o caralho.
A Juíza para a chefe Manuela:
- "Lembra-se da arguida?"
A chefe olha para o lado com queles olhos pretos tipo azeitona prontos a espichar azeite para cima de mim e diz:
- "Perfeitamente".
Que contente que ela estava por se lembrar de alguém como eu, uma imbecil distraída que se esquece de contar os copos que bebe.
Depois lá se pôs a contar a sua versão sobre aquela noite, começando por dizer que já trabalha há 27 anos naquela esquadra. Que maneira pobre de começar um discurso, como se os anos de serviço fossem encobrir todas as mentiras que passados uns minutos começou animadamente a expelir por aquela boca vermelha imunda.
"A dona Maria Sottomayor não queria fazer a contra-prova, depois queria, depois recebia toques, depois punha-se ao telefone, eu falava pra ela mas a dona Maria Sottomayor não me ligava, ela esteve para cima de vinte minutos ao telefone, a dona Maria Sottomayor." Eu já não me sentia nem Dona, nem Maria, nem Sottomayor, e à custa da chefe Manuela aquele julgamento começou a ser exercer um tipo de fascínio sobre mim, como se tudo já me fosse distante e eu pudesse apreciar de forma neutra todos os exercicios de linguagem e manipulação que ali se praticavam.

sexta-feira, dezembro 21, 2007

o julgamento - uma possivel perspectiva

Um julgamento pode ter alguma piada. Principalmente se sairmos absolvidos à custa da incompetência dos outros.
Eu, que por lei tinha cometido um crime, devido a outra lei qualquer, tive que ser absolvida.
O agente França, o agente Silva, o agente Pinto. Que queridos que eles eram. Juro que por momentos me apeteceu abraçar o agente França. Era alto, com principios de barriga. Imaginei-o perfeitamente vestido de pai natal no dia 24 à noite tentando surpreender a sua recém-nascida neta (não sei porquê acho que o agente França só pode ter uma neta, e que essa corre riscos de se chamar katia e de se vestir de cor-de-rosa todos os dias).
O Agente Pinto era igualmente fofo. Reparei que a alcunha perfeita para este agente seria a de "Pintoínho", pois tinha cara de pequeno pássaro.
O Silva era o único baixo dos três, por isso também me enterneceu. Ainda por cima tinha uma cara assim meia amacacada. Consegui vislumbrá-lo no jardim de infância como sendo o mais feio da classe e deu-me pena.
Apanhei o França à porta do tribunal antes do julgamento, e ele até me disse: "Menina, não temos nada contra si, isto é só mais um deber." Um dever. Estou a ver. O Pintoínho, à saída, desejou-me as boas festas.
Mas a chefe Manuela, ai, a chefe Manuela. Essa, nem festas, nem deberes, queria era lixar-me bem lixada dentro daquele tribunal onde o seu perfume gucci dos chineses nos invadia a todos de forma injusta. E gritava tão alto e tão mal, meu deus, as palavras desajeitadas que saíam daquela boca vermelha mal pintada. Culpa outra vez dos chineses, provavelmente.

segunda-feira, dezembro 10, 2007

estômago vazio

"O pão" ou o bordel imaginário

Estou em Matosinhos, numa padaria chamada " O pão". Giro. Peço descafeinado e fumo sg mentol.
Isto é escuro cá dentro. Por cima da máquina de cigarros há três embrulhos de natal, daqueles com papéis de motivos natalícios que costumam estar nas caixas de supermercado ao lado das chicletes. Que feios são estes três caixotes, e os laços, os laços dos embrulhos, os laços que foram encaracolados com a tesoura, que feios estes laços são. Ao lado da máquina de cigarros há duas coisas daquelas grandes com bolas de plástico lá dentro. Paga-se um euro por cada bola inútil, mas vá lá, é surpresa, e por isso há sempre quem pague um euro pelo desconhecido.
Em cima do balcão, outro caixote embrulhado a papel natalício (verde, vermelho, dourado) onde se pode ler : "As funcionárias deste estabelecimento desejam a todos os seus clientes um feliz natal e um próspero ano novo". Com todo o respeito pelas funcionárias de " O pão", reparo que isto em cima em cima de o balcão de um bordel é que ficava giro. Depois comecei a sentir pena da palavra " próspero", que só é utilizada nesta altura do ano. Tadinhos dos que são prósperos, nunca ninguém lhes liga.
Na mesa mais próxima da minha vejo duas mulheres a conversarem. Uma tem um penso branco no nariz, como é que será que ela foi fazer aquilo? Caiu no parque recreativo da senhora da hora? É jovem, tem cabelo preto e come uma torrada por volta das três da tarde (ninguém come torradas a essa hora). Mas a sua amiga é ainda mais bizzara, apesar de não comer torradas. É loira permanentada. Penso que as permanentes deviam ser proibidas, porque as mulheres não são para serem confundidas com caniches. É mais velha do que a outra do penso no nariz, tem um ar assim meio gasto. Look tipo anos 90, jaqueta de ganga e baton cor de rosa. Isto podia ser mesmo um bordel diurno de matosinhos onde se vendem torradas à sucapa.
Apago o segundo sg mentol. Pago o descafeinado com uma moeda de um euro. Penso: se tivesse outra igual a esta (e se fosse mais estúpida) metia-a naquela coisa grande com bolas de plástico à espera de outro porta-chaves ou de um urso feio de peluche.

terça-feira, dezembro 04, 2007