quinta-feira, agosto 20, 2009

pastorsarinho

Caiu um vidro da casa de banho. Jaz sossegado e intacto no telhado do vizinho. O telhado do vizinho tem uma rede que fez com que a coisa não se partisse. Não entendo muito bem como é que um vidro daquela dimensão não se estilhaça em 300 bocados. Outro dia um pássaro entrou pelo buraco sem vidro, foi até à sala e cagou o gira-discos do Joel.
Tenho tendência para acreditar em lógicas deste género:
- O vidro caiu e não se partiu porque um milagre aconteceu.
É por isso que ainda não o fui buscar. Deleito-me sentada na retrete a olhar para aquela coisa perfeita e intacta na rede. Tenho até alguma esperança (pouca) que o vidro volte silenciosamente para o sítio que é dele, incentivado pelo pássaro arrependido que me cagou o gira-discos e que agora decide carregá-lo até cá cima.
Vamos passarinho, podes começar, olha que ninguém vê mesmo.

quarta-feira, agosto 19, 2009

quinta-feira, agosto 13, 2009

The death of Socrates - David

algures aí me entenderá

Estou certa de que não existe Deus no sentido em que estou certa de que nada de real se assemelha àquilo que eu concebo quando pronuncio esse nome. Mas aquilo que eu não posso conceber não é uma ilusão.

Simone Weil, in A Gravidade e a Graça

sábado, agosto 08, 2009

carta sem correios

Querida Claúdia,
Tudo bem por aqui.
Abraça-me uma leveza quase inaugural. Estranha e comovente. Desfaço-me da casa onde sempre vivi.
Não vou mais ver a palmeira desde a janela da sala. E tenho medo que o Sr. Ribeiro dos correios se esqueça de mim. O Sr. Ribeiro usa bigode e trata-me por tu. Para cartas registadas não preciso de mostrar o bilhete de identidade. Os vizinhos conhecem-me o berço, os passos, o carro, as horas. Penso que não sabem nada mais para além do berço, dos passos, do carro e das horas. Mas partilhamos todos naquele prédio uma intimidade calada de quem respeita e vive o mesmo espaço. Nunca trocámos ovos nem cebolas. Uma vez a Gabriela pediu um escadote porque tinha uma inudação em casa. Não percebo como é que se vive sem escadote.
Abro gavetas e encontro cabelos guardados em plástico e cadernos escolares indiferentes ao conhecimento. Penso no incontrolável depósito que sou eu, que somos, e tento pôr os cabelos e os cadernos no sítio certo. Peço-me desculpa e deito-os fora. Apareces sempre na gaveta das fotografias. Não há nada para além de fotografias na gaveta. As imagens sabiam ser elitistas o suficiente para se organizarem num espaço próprio e se distanciarem de cabelos e cadernos. Que respeito tínhamos por aquilo. Este era o avô que nunca conheci, aquele que não tem cor, sempre de roupas cinzentas e cara a preto e branco. A alcatifa gasta é arrancada pelos braços desiludidos da Júlia.
Sabes que mais?
Nada disto me pesa Claúdia. Bebo cerveja ao fim da tarde como antigamente. Encontro pessoas de quem gosto em todo o lado, mas sinto-me mais ou menos miserável por lhes violar as histórias de vida cá dentro. Não respeito a verdade. Imagino tudo. Olho para os cadernos e os cabelos e só penso em si, claro, na vida perfeita que me ofereceu, sim ofereceu,

(desculpa Cláudia)

como poderia pensar noutra pessoa, como sequer é que poderia pensar em mim, eu que assiti ao bicho da madeira a comer as mesinhas de cabeceira do quarto sem nunca fazer nada, sem nunca lhe ter dito, sem nunca comprar um sprayzito. Eu enchi-lhe as gavetas de cabelos e cadernos, desculpe se já não podia guardar mais nada em sua casa, eramos nós por todo lado, na comida e na desarrumação, os casacos à porta e os gritos do fundo da sala " - Agasalha-te, ouviste?"

(olá Claúdia)

Parabéns pela defesa. Contudo, não te parece termos que "defender" a tese um pouco ridículo?
Até ao lanche.