quarta-feira, janeiro 30, 2008

não lavo mais a loiça


Hoje, outra vez.
Eu na cozinha a lavar os pratos com restos de lulas guizadas.
E música a sair do quarto do meu pseudo-irmão e a entrar-me nos ouvidos, nos olhos ainda com gordura, nas mãos feitas de fairy.
Não, não era a Laura Pausini.
Umas flautas abafadas.
Uma versão estranha de uma música qualquer conhecida.
Ai, não.
Não pode ser.
Com todo o respeito por música tradicional e étnica,
aquilo era mesmo o pior dos Pan Pipes.

sexta-feira, janeiro 25, 2008

serei eu do tamanho das minhas botas?

Hoje, numa sapataria, ouvi uma voz pequena e orgulhosa a dizer:
"Olha mãe, já sou mais alto que o espelho".

(os espelhos das sapatarias também não deviam ser tão pequenos, como se para comprar sapatos deixássemos de ser um todo e nos reduzíssemos a pés chularentos)

Lembrei-me de Fernando Pessoa que dizia "porque sou do tamanho que vejo e não do tamanho da minha altura", mas rapidamente senti que o pensamento às vezes nos torna grandes mas secos. Depois olhei novamente para o rapazinho, reparei no seu reflexo segmentado, ri-me com ele, deitei um olhar cúmplice à mãe, esqueci Fernando Pessoa, e saí feliz da loja.

quarta-feira, janeiro 23, 2008

hum...

"Todos os acasos da nossa vida são materiais de que podemos fazer o que quisermos. Quem possui muito espírito faz muito da sua vida - cada tomada de conhecimento, cada acontecimento seria para ele inteiramente espiritual - um primeiro membro de uma série infinita, o início de um romance infinito."

Friedrich von Novalis, in 'Fragmentos'

terça-feira, janeiro 22, 2008

auto de fé


Irritam-me certas formalidades.
Ontem estava a entrar na bomba da galp da boavista a falar ao telémovel. Já sei que é perigoso, já sei que é proibido, já sei que põe em risco a segurança da via pública - e por isso é raríssimo fazê-lo. Mas quando reparei estava um bando de polícias à minha esquerda a tomar café e a fumar. O chefe olhou para mim e chamou-me.
-"A menina pode ser autuada, e a coima é de 120 euros. Para além de não poder estar ao telemovel enquanto conduz, também não o pode fazer numa bomba de gasolina. Faz interferência."
- "Ai, o quê? Não me diga...pensei que podia...desculpe, estava distraída, até pensei que se estava a rir para mim..."
- "Menina, é proibido tudo o que possa interferir com a segurança a nível da condução. Outro dia um colega meu até autuou uma senhora que se ia a assoar na VCI."
Pensei que a única solução era rir-me. Rir-me dele que também não devia estar a fumar numa bomba, de mim, do ranho da pobre coitada, das possiveis explosões por interferência do meu nokia, e acima de tudo das palavras "autuada" e "coima". Mas porquê é que eles me vêm sempre com este paleio todo?
Eu não quero ser autuada e muito menos efectuar o pagamento de uma coima. Quero ser multada e pagar uma multa, no máximo.
No final, eu perguntei se ele me podia perdoar. O chefe disse: "Perdoar não perdoo, mas esqueço." Mas que falta de vocabulário sr. agente, seria muito mais interessante se tivesse dito que não me podia absolver mas que iria olvidar. Esquecer deve ser só para burros.

segunda-feira, janeiro 21, 2008

"Há pequenas impressões finas como um cabelo e que, uma vez desfeitas na nossa mente, não sabemos aonde elas nos podem levar. Hibernam, por assim dizer, nalgum circuito da memória e um dia saltam para fora, como se acabassem de ser recebidos. Só que, por efeito desse período de gestação profunda, alimentada ao calor do sangue e das aquisições da experiência temperada de cálcio e de ferro e de nitratos, elas aparecem já no estado adulto e prontas a procriar. Porque as memórias procriam como se fossem pessoas vivas."

Agustina Bessa-Luís, in 'Antes do Degelo'

quinta-feira, janeiro 17, 2008

Ontem apanhei o meu pseudo-irmão de 18 anos em pleno ano de 2008

(corpo robusto e ágil
barba por fazer
voz grossa
desportista
bem sucedido com as mulheres
saudável
tudo bem até agora)

a ouvir laura pausini...
o principio de um pequeno drama familiar.

quarta-feira, janeiro 16, 2008

festival de pó celeste


Ontem fui a um concerto de harpa no salão árabe do palácio da bolsa.
A sala cheirava a casaco de peles com pouco uso, a pó de arroz que esteve na gaveta e a perfume deixado de fabricar. Da minha idade quase ninguém. Alguns velhotes não resistiram até ao fim e foram tirando a sua soneca. Mas aquelas senhoras, essas, mantinham a postura, de peles rugosas e maquilhadas, cabelos bem armados, tentando dignamente que as suas costas se alinhassem com a verticalidade das cadeiras.
Às vezes, os homens, parecem-me tão mais reais que as mulheres.
Entre o som etéreo das harpas e o princípio de um ressonar - eu não sabia decidir qual era o mais perfeito.

terça-feira, janeiro 15, 2008




a tinta da china é tão imperativa
e depois ainda me pedem para explicá-la

quinta-feira, janeiro 10, 2008

"Do meu pai recebi desde menino uma imprudente
Forma de receber as frases que nos dizem: não esperar
Por elas numa cadeira, mas saltar em redor, eis
Um método que não era método porque era instinto:
Ouvir a frase de todos os pontos de vista,
Como se a linguagem depois de dita
Fosse uma matéria que permanecesse no ar,
E nós, animais representantes do diabo, à sua volta,
Tornássemos visível o que ela queria esconder:
A frase tentava exibir o rosto bem maquilhado
E nós apontávamos a sua roupa íntima,
As borbulhas deselegantes, a sua fealdade e a sua falsidade."

terça-feira, janeiro 08, 2008

não fumadores ou não fumadores

Hoje durante uma caminhada pela baixa, reparei que todas as lojas - seja do que for - têm agora um papel vermelho a dizer que não se pode fumar. Tentei lembrar-me de alguma vez em que estive na Zara a provar um vestido enquanto fumava uma cigarrada. Senti-me um pouco perseguida por esta papelada proibitiva e achei-a totalmente despropositada. Nós não somos estúpidos. Qualquer dia por lei ainda teremos que ver anunciado na porta de todas as lojas papéis vermelhos a dizer "não é permitido roubar" ou "proibido cagar no chão".

segunda-feira, janeiro 07, 2008

70 euros para o inimigo

Algumas oficinas são centros de metafísica. O Sr. Manuel mete qualquer Platão no bolso.
Ora bem, hoje foi a vez do polo começar a fazer barulhos estranhos vindos do além, juntamente com uma luzinha vermelha do óleo que piscava freneticamente. Pois, devo ter que encher aquela coisa com óleo e ele pára de grunhir, pensei. Parei na repsol da marginal e vejo um homem de fato macaco a roer animadamente uma daquelas coisas "tipo colher" que nos dão nas bombas para mexer o café. O roedor era bem simpático e ajudou-me em todo o processo. Pois bem, boto primeira em direccção à baixa e aquela merda a apitar outra vez. Hum, então afinal não era do óleo. Porra.
Tentei disfarçar que aquela luz não é vermelha nem está a apitar - às vezes a força da mente resulta - mas nada.
Resolvi então ir a uma oficina onde já tinha ouvido falar que a mecânica chefe era uma tal de Carla.
" - Boa tarde, a Carla está?
- Não menina, só deve chegar lá para as três e meia.
- Hum, então o senhor talvez me possa ajudar. O meu carro está prestes a explodir e eu quero evitar explodir com ele. A luz do óleo apita, o motor faz um barulho estranho, o carro vai abaixo repentinamente e quando travo é uma chiadeira dos diabos. Pode arranjá-lo?
- Isso pode ser muita coisa. Não sei o que é. Estamos em obras. Até pode ser da vela. Ou pode ter que fazer uma revisão. Mas nós não sabemos quando é que podemos fazer-lhe a revisão. A menina marque. Talvez possa deixá-lo aqui amanhã. Mas quer deixar hoje? É uma questão de marcar. Mas isso eu não sei o que é. Nós não temos aqui as peças, temos que mandar vir. Não sei por quanto tempo tem que ficar a arranjar, isso tem que se ver."
Percebi que com o Sr. Manuel não ia a lado nenhum.
- Olhe, então eu só preciso de saber se acha que eu posso andar com ele hoje, se isto não me vai gripar, se eu não vou explodir juntamente com o carro.
- Isso não sei menina, ele andar anda."

E andou mesmo. Dirigi-me a outra oficina, a do Sr. Zé Manel.
Relato o meu pequeno drama.
" - Menina, tem que mudar o filtro do óleo, limpar a borboleta e verificar os calços do travões. Fica-lhe à volta dos 70 euros, deve estar pronto ao fim da tarde e nós ligamos-lhe para vir buscá-lo."

Desculpe Sr. Manuel, mas gente prática é outra coisa. E eu a pensar que gostava tanto de filosofia.

sexta-feira, janeiro 04, 2008

xô palavrões

Estava agora a reler o que escrevo e reparei que estou a ficar muito malcriada.
Vou começar a escrever coisas suaves e bonitas outra vez.
(se é que alguma vez escrevi coisas suaves e bonitas, mas acho que sim)

quarta-feira, janeiro 02, 2008

a culpa nem sequer é minha

Não percebo o que é que há entre mim e o meu carro. Não vibro com aquele gajo. Ligo-me a qualquer merdice, custa-me deitar a escova de dentes fora ao final de alguns meses de uso. Mas o meu polo, porra, o meu polo não me curte.
Para além de já ter tido dois mini acidentes (culpa dele claro), de ter atraído um gang de polícias na marginal, e de me dar vontade de fumar um maço de sg mentol cada vez que entro nele - hoje foi a vez de se por a fazer peões numa rotunda. Oh que canudo. Estava eu a contornar a anémona de matosinhos que está prestes a transformar-se num olho do cú gigante (a rede está decadente), e aquela coisa começa a derrapar. Senti-me naquelas chávenas gigantes da feira popular que dão voltas e mais voltas. Foram praí três. Quando o polo decide parar, ficou de cú virado para o mar. Que chic é o gajo. Reparei que por intervenção dos autocolantes de deuses indianos que me acompanham sempre nas janelas, não havia nem um carro na rotunda. Ninguém viu sequer. Era meio dia. Entretanto, com o embate, subi uma merda qualquer de granito - tipo separador de faixas - que me impedia de sair dali. Fiquei presa. Primeira e nada.
Aparece um homem com ar de tio da foz, um ser bondoso que reparou em mim. Ou um "tipo civilizadíssimo" como diriam algumas pessoas da minha família. E no meio daquela chuva imensa, depois daquelas voltas que pareceram nunca acontecer, o tio mete primeira e tira-me facilmente o carro dali. O gajo comigo queria era ficar de cú virado para o mar. Ai o traiçoeiro.