quinta-feira, fevereiro 14, 2008

razão e medida

Entro na tasca. Esta lá sr. Júlio sozinho e cumprimenta-me com os seus olhos semi-estrábicos e esbugalhados do vinho. A sra. Elisa adoeceu da vesícula e faz-me falta. Há um banco vazio atrás do balcão, onde ela costumava sentar-se que nem rainha à espera de clientes.
Olho para o presunto pendurando no tecto e parece-me o mesmo desde a minha primeira meia de leite. Gosto daquele presunto ali, um monte de carne inerte decorada a facadas incertas.
O sr. Júlio começa a falar do tempo em que se pagavam as coisas com feijões e ovos, e eu pergunto se quer que eu lhe traga grão de bico em vez de cinquenta cêntimos para pagar o descafeinado. Ele ri-se. E quando se ri assim, eu sinto-me invadida por aqueles olhos que entortam a cada gargalhada, e saiem de onde estavam tão quietos. Depois ensina-me palavras novas. Explica-me o que é uma padieira, que um alqueire de milho são 18 quilos e que razão é o rolo da massa com que se passa por cima deste. Divaga em números, medidas, quilos, metades, quartos e oitavos. Eu anoto o vocabulário novo num caderno vermelho e digo-lhe que ele deve perceber muito de matemática, ao que ele responde: "Se a menina quiser, resolvo-lhe já aqui uma expressão algébrica". Agradeço-lhe a dignidade e a ortografia. Antes de sair, acaba a aula dizendo: "A menina devia-se dedicar a estas coisas antigas. Estas coisas antigas têm valor, sabia?"

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