segunda-feira, março 09, 2009

lanche

Ela falava, falava desmesurada, indefinidamente. Ela falava sem receptor. Há muito disto no mundo - pensei. Não percebo se é uma questão de arrumação mental, de desprezo pelas palavras, necessidade de integração, vontade de sair da concha. À noite, às vezes falo com o espelho.

(Olho em volta e bato com a cabeça na concha que está cada vez mais dura. É difícil abri-la, e partir não se aconselha. Às vezes revejo-me naquelas amêijoas que ficam no prato por estarem muito fechadas)

- Cuidado que essas não se podem comer!

Voltando à mulher. No início, até a ouvi. Havia um prato de salpicão na mesa. Depois comecei a emborcar o enchido de forma desumana. E à medida que a senhora se ia entusiasmando, eu ouvia-a cada vez menos, até as palavras se tornarem sons de dedos a baterem na concha. Truz truz. Não entram. Já estava lá dentro, num silêncio absoluto, e o sal do salpicão a roubar o sentido de todos aqueles ecos verbais, conservando-me viva e fresca na concha esquecida.

4 comentários:

Anónimo disse...

Bravo! Gosto muito do que escreves. Não pares.

Anónimo disse...

Vou pôr uma música no "Nortadas" em tua honra : "Ces petits riens"

Anónimo disse...

Não posso estar + de acordo com este teu novo admirador/leitor e esta definição que ele encontrou de "Ces petits riens" encaixa que nem uma luva em muitos dos teus textos

Ana Oliveira disse...

Sempre em sintonia com os teus admiradores : D