quinta-feira, julho 17, 2008

restos

Quando fiz anos a minha irmã ofereceu-me um frasco de espargos verdes marca continente .
Adoro espargos verdes. Quando era nem criança nem adolescente ia com a minha avó ao carrefour e ficava a olhar para a prateleira das conservas para poder comparar os preços entre os espargos brancos e verdes, gordos ou magros, de lata ou vidro.

- Avó, hoje posso levar espargos?
- Não se pode vir com vocês às compras.

As idas ao carrefour tinham carro, cheiro e horas próprias. Íamos com uma amiga não muito velha da minha avó chamada Laidú. Sim, Lai Du. Uma mistura de chinês com crioulo. Ela própria tinha um cabelo bastante étnico, qualquer coisa entre um penteado afro e uma banalíssima "mise" ocidental. Poucas vezes lhe vi aquele cabelo - usava daqueles lenços plastificados para a cabeça como se estivesse sempre a chover. O carro era com estofos fofos, quentes, cinzentos, uma delícia para as viagens até Gaia que me pareciam longas.
Após uma hora e tal, a Laidú regressava sempre com dois ou três sacos meios frouxos, nunca percebi bem o que andava para ali a fazer durante tanto tempo.
Hoje abri o frasco dos anos no hostel, mesmo antes de almoçar.
Os aperitivos sempre me souberam melhor do que qualquer outra coisa.
Pensei que talvez houvesse uma maionese perdida de alguém que já foi embora.
Estavam lá várias, tipo hipermercado.
Escolhi a Calvé, a minha favorita, para misturar com os espargos.
Imaginei a Laidu à porta do Carrefour à minha espera, o canadiano que deixou aquilo ali, a minha irmã a tirar a prenda da carteira, a minha avó a dizer sim podes levar, e conclui mais uma vez que ver o todo em vez das partes é sempre muito mais interessante.
Esta coisa da vida é complexa e por isso difícil de se ver. Tal como uma uma teia de aranha. Convém sempre vasculhar o que resta nos cantos dos frigoríficos.

2 comentários:

António A. Antunes disse...

Pões-me a chorar de nostalgia, com estas idas ao carrefour. Relembro-te os pacotes de leite, a Lai Du, isto em 1995, uma visionária das marcas brancas, carregava com destreza um volume de seis, seis pacotes de leite que não eram Agros, Mimosa, nem nada disso. Marca branca, uns pacotesde leite sem jeito, duas cores planas na embalagem, o branco e o verde, o desenho rudimentar de duas ou três vacas a pastar. A Lai Du pouco se importava. A lai Du tinha uma confiança inabalável. Ela disse:
"O meu neto Guilherme tem muito jeito para a música. Deixei-lhe um hamburger para comer."

Oporto Poets Hostel disse...

agradeceria de forma mais generosa se soubesse que aquele espargo verdusco tinha tal valor