quinta-feira, julho 17, 2008

dedão

Como é que hei-de explicar, o dedo grande do pé dela, o dedo grande do pé dela não parecia dela. Sempre me surpreenderam os dedos grandes dos pés das pessoas, costumam ter personalidades fortes e têm ar de chefes. Bom, estávamos num casamento e as mulheres sempre tão sacrificadas para estarem bonitas, sempre tão bonitas, por vezes vezes enjoativas, mas vá lá, voltando ao dedo do pé da outra. Eu estava sentada numa poltrona de cor bordeaux à espera de fazer xixi, e olhava para o chão deliciada com os veios da madeira. Eis que se ouviu o som dos tacões de mulher no taco da madeira, tacões no taco, é assim mesmo e sem querer acabei de fazer uma espécie de música. Continuo a olhar para o chão e aparece um pé dentro de uma sandália de tacões fininhos, daqueles agulha. A sandália tinha duas tiras também elas fininhas e uma apertava o dedo grande do pé da senhora e este levanta-se ligeiramente da sola como se quisesse fazer uma pergunta. A tira apertava este dedo e este dedo não tem mais nada, começa a inchar e a falar comigo ou com a minha bexiga. Porque é que eu estou aqui, esta merda dói caralho e porque é que sou só eu que estou asfixiado, mais nenhum dedo deste pé nem do outro sofre como eu sofro. A certa altura aquele dedo ria-se de dor e gemia, tentando encontrar um espaço digno e livre. A certa altura pensei nas partes do meu corpo que não conheço muito bem, nuca, costas, rabo, o que dirão eles de mim. A certa altura, aquele dedo parecia não pertencer a corpo algum, e apesar de estar sob a ameaça da tira - vivia orgulhosamente o seu cargo de chefia e impunha-se aos seus quatro súbditos, quer dizer, ainda que haja uma porra de gente com o segundo dedo do pé mais comprido do que o primeiro, o primeiro é sempre o primeiro e concluo com isto que as mãos são mais democráticas que os pés.

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