sexta-feira, dezembro 26, 2008

Lina

Não gosto das amigas da minha avó, nem do natal, nem de ladrilhos de marmelada.
A Lina ligou, eu atendi e sabia muito bem quem era, mas tentei passar por desconhecida.
- Sim, eu vou chamá-la.
A Lina liga muito de vez em quando, no natal ou para anunciar a morte de alguém. Tem cara de gaivota velha, líder de um bando de pássaros que há muito a não segue.
À medida que a minha avó foi ficando cansada de viver, e deixou de a poder convidar para jogar canasta às quartas, ela nunca mais quis saber. Safada da Lina, queria era os pãezinhos de leite com fiambre e a tarte de maçã. Eu bem a vi outro dia no Pingo Doce a comprar pensos higiénicos.
- Menina estes são dos grandes?
- São, minha senhora.
Quando chegava a casa, percebia que era dia de canasta pelo cheiro das águas de colónia trazidas de Vigo. No bule, um resto de chá preto já demasiado amargo. Procurava então restos de bolos e pãezinhos, as senhoras deixam sempre um ou dois. Agora deixam o tempo cuidar delas e dos outros, à espera que o Fado lhes toque à porta, esse que lhes roubou os maridos.
(a não ser a Linda que compra pensos higiénicos para as netas e usa botas de tacão)
Caramba, o que teremos que fazer para que o presente não se divorcie de nós. Eu quero-lhe pedir em casamento, prometo-lhe ser fiel.
A velhice mais terrível é essa, aquela em que o que tempo não desfaz as marcas de baton nos guardanapos de linho, as migalhas dos pães de leite perpetuadas nas tardes de quarta feira sem lanche nem jogadas.

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