sexta-feira, julho 17, 2009

porquinhos

O porco estava bom. Foi a primeira vez que comi tal bicho na casa nova. A casa é tão arejada que só pede vegetais e coisas assim frescas. Não aceita bem cadáveres, apesar de eu apreciar tais bicharocos. O holândes falou-nos dos seus hábitos alimentares. Vive sozinho e compra pão que vai congelando e descongelando. Depois do jantar, pus os restos dentro de duas caixinhas de plástico e dei-lhe.

Lembro-me depois do Alfredo sentado nas escadas, de mochila às costas. Teria mais de 40, cara carregada de sono e solidão.
- Quero mudar de quarto.
E estende-me as chaves, não olha para mim, como se quisesse cortar com o passado que as ditas cujas representavam. Aceitei-as, absolutamente conivente com o acto, como uma recém divorciada a quem o marido lhe entrega as chaves da casa. Não perguntei porquê, porque porquê parece-me uma pergunta demasiado brutal para quem sofria como Alfredo.
- Posso ajudar-te em mais alguma coisa, Alfredo?
- O americano batia palmas toda a noite. Havia um espanhol que ressonava alto, muito alto, então o americano resolveu bater palmas, como se fosse ele o dono do mundo, como se não houvesse mais gente no quarto.
Nesse dia, Alfredo foi passear com Andreja, eslovaca simpática que viajava sozinha e sabia falar português. Penso que depois de uma noite sem dormir, o nosso amigo Alfredo sentia-se bem apenas com alguém que falasse a sua língua.
Na manhã seguinte encontrei-o na sala sozinho, bem antes do tempo da água fervida e do café na mesa.
- Dormiste bem?
- Hoje sim. As pessoas não sabem uma coisa: não sabem muitas vezes que os problemas vêm delas e não dos outros. A culpa é quase sempre nossa. Sim, culpamos os outros dos nossos males e insónias, mas o problema está em nós.

O bruxismo voltou. Passo a noite a roer os meus próprios dentes, já gastos o suficiente. O melhor é não voltar a comer porco, a culpa pode ser mesmo do cadáver. Minha não é de certeza. O que achas Alfredo?

1 comentário:

douro disse...

Não acho nada.