quinta-feira, fevereiro 19, 2009

verde

Gosto de alcatifa gasta. Está gasta por toda a casa. Conta-me o tempo e o peso dos pés. E, de tão gasta, começa a anunciar a camada que está por baixo. Por baixo está uma espécie de rede pixelizada bege - há manchas que me explicam os percursos que gosto de fazer. Entro sempre pelo mesmo sítio, estou a vê-lo da cama, está gasto da minha monotonia. Podia pelo menos, de vez em quando, entrar mais encostada para o lado do puxador. Que ficasse aí o testemunho de alguma coisa que só faço de vez em quando. Mas não, a matéria não mente, o que está gasto gasto está, e nós para aqui a olhar a ver se ela se põe nova outra vez e me mostra o tamanho antigo dos meus pés.
Hoje prometi a mim mesma não escrever nada que fosse nostálgico. Não sei se as alcatifas são nostálgicas ou não. Talvez por nunca poderem ser limpas dos ácaros devidamente, representem o processo da infinita acumulação que nos gere. Não quero acabar o texto aqui. Falta o remate final, quando se dá aquele nó que une as coisas escritas acima. No quarto da Lé, o chão está cheia de linhas soltas e bocados de tecido que se agarraram à alcatifa já há muito anos, e que o aspirador não as consegue tirar.

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