segunda-feira, fevereiro 02, 2009

avó e computador

Não sei se deva procurar um sentido para tudo o que acontece. Isso contraria a natureza caótica do mundo e reduz-nos a figurantes.
Durantes estes anos todos (poucos) forcei-me a pensar que as coisas aconteciam porque tinham que acontecer. Espera aí, talvez o facto de aceitar certas coisas como são, e exclusivamente as coisas que acredito não poder mudar, seja um acto profundamente estóico.
Porra, ainda que tenha um trabalho importantíssimo para entregar amanhã, prefiro vir para aqui cuspir fluídos psíquicos.
Hoje tudo me parece banal mas profundamente único.
O computador que comprei há um ano e por quem tinha enorme carinho, estragou-se ontem a meio do tal trabalho importante. Um especialista de computadores, amigo de longa data, disse-me para não ter muitas esperanças em recuperar a informação. Está bem, eu não tenho. Pus-me agora a pensar o que ficou ali e não senti grande coisa. Quer dizer, senti, mas foi insignificante. Perdi registos, muitos registos que não sei como recuperar. O passado electrónico não pertence a ninguém.
A minha querida avó materna morreu há uma semana e eu passo os dias a tentar recuperá-la dentro de mim. Tenho medo da memória. Ontem o computador perdeu a sua sem mais nem menos. Tenho medo da memória. Não quero que ela venha para aqui com as suas selecções esquisitas de momentos. Avó, eu não quero esquecer nada que tenha a ver consigo. Quero registar todos os cheiros e todos os seus gestos. Quanto tempo demorava o seu silêncio. O facto de amá-la assim faz com que o meu disco rígido seja mais resistente que os da apple.

3 comentários:

Anónimo disse...

só tu para escreveres tão belo texto num fim de tarde de segunda feira.
obrigada pelo momento

Anónimo disse...

és linda, mary.
Tem graça que o "papel" que tive nos dias de que falas também me fez reflectir exactamente sobre o que é isso da memória... Concluí que há memória, e memórias. Gosto das duas. De a ter e de que os outros a tenham. Na altura, pensei em ti como uma das várias pessoas pelas quais me agrada ter memória(s), ser memória(s), e defendê-la(s). Tu honras a(s) memória(s) nas coisas que escreves e naquilo que és. E assim, valorizas o que está e esteve à tua volta, humano, material, ou imaterial. É por isso (não só, mas também) que és valiosa.
um beijo

Unknown disse...

Apercebi-me agora que este post tem a data do dia em que falei contigo ao telefone..
Não te preocupes com a tua memória, Maria. Tu tens uma capacidade única de recordar não só o melhor das pessoas, como os detalhes que nem elas sabem que têm...talvez por isso te procure insistentemente nos dias maus. Porque tu recuperas essas pequenas coisas. Sem sequer te esforçares para isso. Tornas mais leves os fardos que cada um de nós carrega.
Agradeço-te muito por isso, e tenho um enorme orgulho em ser tua amiga.
Desculpa não estar mais perto. Desculpa não estar contigo nas alturas que mais precisas, e nem saber o que dizer como tu fazes tão naturalmente..
Gosto muito de ti.

Joaninha