quinta-feira, outubro 16, 2008

tripar

Nunca chegamos ao essencial. Diz-se:
O que interessa é o que está por dentro. Mas o dentro é mistério e escuridão.
O dentro é o que não conseguimos ver e por isso temos a lata de dizer que é bom ou mau porque ninguém pode provar o contrário.
O dentro são estas entranhas de que somos feitos, estes intestinos impertinentes, o fígado cansado, o coração em maratona. A minha outra avó está muito doente e eu não consigo ver nada. Tudo escuro, as doenças desenvolvem-se nesse sítio de dentro onde não se consegue ver. O que dirá o pâncreas do esófago? Nada. Convivem animadamente na escuridão absoluta, os cúmplices malditos.
O que importa é o que está por dentro. Não é nada.
Para além disto, a verdade é que temos nojo de tudo o que sai de nós, caca, sangue, catotas. Pois, porque já não nos serve. Não há injustiça senão em nós, que temos nojo das coisas.
O medo também não é flor que se cheire (sempre responsabilizei o medo por todos os males do mundo), mas pelo menos é mais animal. Agora o nojo, o nojo é uma construção humana complexa. Implica essa noção que somos uns seres assépticos que não somos, provoca-nos a mais diversas doenças, rouba-nos a imunidade mental e física.
Não sejamos enojados. Ontem, a Graça trouxe-me rojões e eu comi tripa enfarinhada pela primeira vez. Deixei um bocadinho no prato e fiquei desiludida comigo mesma.
(tripa não é nojo, é bom, mas é demasiado impositiva para um jantar tardio)

1 comentário:

Sari disse...

Como boa portuense que és nunca pensei ser só esta a tua primeira vez!...beijinhos Sara