segunda-feira, agosto 25, 2008

a massa

Ela disse:
- O quê, o meu bacalhau com natas não é bom? Tu nunca provaste o meu bacalhau com natas.
A irmã respondeu que já tinha provado e não tinha achado assim nada de especial, naquela quinta feira em que todos comemos juntos. Eu não estava nesse dia. Afinal o bacalhau tinha natas a mais, acabou por confessar a primeira, mas eu sei fazer esse prato que é uma maravilha.
Ela quase que podia ser alta e já foi loira um dia. Não sei desde quando é que quer continuar a ter uma cor na cabeça que já não tem. Não sei onde estava eu nessa quinta feira onde a cor do cabelo talvez se pudesse confundir com a cor do prato e está a apetecer-me vomitar lascas de pensamentos salgados sem qualquer grau de parentesco.
Talvez tenha sido no dia do bacalhau em que conheci a outra senhora de azul que gostava de falar de sangue. Um homem dali morreu e o sangue a sair-lhe pelas orelhas, pelo nariz e tudo. Falava em sangue e bebia leite. Ao lado, cassetes com cantores de penteados duvidosos e olhares penetrantes assistiam frios e impunes à conversa avinagrada. É a vida, olhe, tão novo. E o cantor em silêncio. Só ela falava, a senhora de azul. Eu, que estava com um vestido preto às flores brancas, senti-me possível toalha onde possivelmente se pudesse colocar um prato com peixinhos fritos do rio e recordar entre duas espinhas, possíveis feitos históricos do homem recentemente vivo.
Só não gostei quando vi o saquinho branco do sangue do frango no balcão da cozinha onde se fez o bacalhau com natas. Era arroz de cabidela para o almoço e sinto que este texto está mal cozido e ainda não se lhe tiraram as entranhas ao pito. Na mesma cozinha onde na quinta feira se fez o bacalhau com natas que eu não pude provar, estava um saquinho de sangue fresco para juntar ao arroz. O saquinho parecia daqueles antigos com leite do dia mas tinha sangue em vez de leite, ainda que ambos sejam símbolos de vida e fertilidade. Reparei que o sangue estava cheio de conservantes. Afinal não custa nada comer aquilo, não está tão vivo assim. Isto de matar o bicho e manter o sangue fresco com meia dúzia de números e E´s é de um cinismo atroz.
O que diria a senhora de azul quando visse isto, talvez:
- O meu arroz de cabidela é melhor que o teu, nunca provaste um assim.
Os cantores das cassetes fechados em armaduras de metal, mortos desde sempre naquele mostrador que roda e nós vamos vendo as caras deles ou eles as nossas.
Que fome, dizem, há tanto tempo que não via uma toalha tão bonita.

2 comentários:

thirdeye disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
T.E. disse...

não sei o que ingeres para escreveres assim. nem quero saber. FDX. tá brutal