quarta-feira, janeiro 17, 2007

O tasco ao lado do meu atelier

No tasco ao lado do meu atelier, há uma porta tipo "saloon" que o sr.Júlio tira ilegalmente ao sábado para entrar mais sol. A porta, por onde não entram cowboys do faroeste mas de outro tipo latino, tem quadrados azuis e amarelos cortados à mão com papel autocolante. Quando se está lá dentro, não se ouve a porta abrir. Mas qualquer pessoa, por mais discreta que seja, quando empurra aquilo como se estivesse a nadar, racha o pequeno mundo de quem já está lá dentro. Vem a luz ou vem o frio. E depois lá vão as duas metades da porta, qual baloiço decadente, para trás e para a frente até se amarem novamente e finalmente pararem.
Depois, o universo recomeça. O tasco é um estreito corredor com umas escadas de madeira lá ao fundo (nunca subi, deve dar a casa deles). Do lado direito o balcão. Do lado esquerdo máquina de cigarros (que ela liga quando alguém precisa) e uma pintura na parede a dizer: "Caza Poveira, especialidade em vinhos verdes e petiscos". A Sra. Isilda, que está sentada à espera que não entre mais ninguém, levanta-se num misto de preguiça e subserviência (depende do cliente).
" O que é que bai ser?" Serve e senta-se outra vez. O marido aparece mais de vez em quando, deve gostar de andar a pé para trás e para a frente como a porta, e de pano de cozinha ao ombro.
Lá eu sou sempre menina, e começam a tirar-me a meia de leite ainda a porta está a baloiçar. Às vezes confundo-os: em vez do habitual queijo (de bola) que a Sra. Isilda corta (na hora) em fatias mais grossas que a minha própria fome, peço um pão com manteiga. Uma vez tive coragem de pedir que mas cortasse mais finas. Arrependi-me. Ela queria cobrar-me meia sandes.
No Natal fazem-se rabanadas para oferecer aos machos e às meninas.
-"Lebe para a sua irmã e mãezinha."
-"Elas não gostam Sra. Isilda. Obrigado."
-"Lebe na mesma."
No Outono, também oferecem castanhas assadas.
Normalmente há um exemplar de cada bolo, e cada cliente, tem assim o previlégio de comer o único queque ou o único napoleão que ainda sobraram do dia de ontem.
(sempre me intrigou o nome "napoleão" para um bolo feito de massa folhada com chocolate por cima)
De vez em quando há sandes de lombo. E como os corpos são tão fáceis de repartir, ao lado dos bolos, um pratinho de alumínio com o que parecem ser umas orelhas de porco. Talvez ouçam a porta, gozem os cowboys em silêncio ou chamem-me menina.

2 comentários:

Andre Alves disse...

muito bonito

Anónimo disse...

Não sei se é influência das horas que, em pequeno, passei a ver filmes de indios e cowboys mas sempre que entro num desses tasquitos com portas de saloon, a tendência é para abri-las decididamente com ambas as mãos e com ar triunfante!

e sempre que posso ponho, préviamente, um palito na boca


Ernesto